domingo, 16 de agosto de 2020

AS CIÊNCIAS ANTIGAS NA PRÁTICA - parte 2

A primeira coisa que veremos na prática será sobre o despertar e seu método, que geralmente é referido como meditação, ou mais corretamente vigilância ou atenção plena ou mindfulness, mas que também passa pelos processos chamados meditação formal. 


Existem dois termos diferentes pelos quais podemos interpretar essa palavra "meditação". Um mais oriental e outro mais ocidental. Apesar de que no oriente nem existe essa palavra. O que o ocidental tem traduzido como meditação nos textos orientais são as palavras sânscritas (ou também em pali, e repetido o mesmo padrão para as demais línguas, como chinesa, japonesa, tibetana, coreana, etc.), de tradições especialmente hindus e budistas. Toda vez que esses tradutores vêem palavras como dhyana ou jhana, darana, bhavana, etc., eles tendem a usar a palavra meditação, mas isso é um erro, senão estratégia de marketing! Dhyana sânscrito e jhana em pali significa concentração, penetração (em estado profundo de concentração); darana significa reter, manter, segurar (a concentração); e bhavana significa literalmente desenvolvimento ou cultivar, no caso, desenvolvimento da mente. 


Estas e muitas outras palavras são "vendidas" para nós, desavisados ocidentais, como meditação, e os pobres professores que vem do oriente infelizmente têm que adotar o mesmo termo, pois já nos acostumamos a interpretar assim, ou eles estão tem que explicar isso que estou explicando agora. Uma vez estava num retiro dirigido por um monge asiático muito experiente, e ele teve que nos dar essa explicação. Apesar de seu semblante sempre tranquilo deu pra ver em seus suspiros e micro expressões o quanto se sentia cansado de ter que explicar isso. Como tenho um hábito peculiar, de me divertir com a leitura de dicionários e vocabulários de outras línguas e diferentes religiões, escolas, filosofias, etc., compartilhei naquele momento do mesmo sentimento dele. Mas sua explicação, longe de ser cansativa, foi direta e esclarecedora. No entanto, até pelo nosso condicionamento, pudemos observar que mesmo assim continuamos usando a mesma palavra de forma inadequada e não a correta. Inclusive o monge.


Pronto, agora já está explicado que quando estamos falando de meditação no sentido oriental estamos falando de concentração, que é um método para o despertar (também traduzido erroneamente como iluminação), podemos partir para o sentido ocidental. Depois aprofundamos mais nesta prática oriental, pois não é só e simplesmente concentração. Concentração é apenas a palavra que resume o procedimento e seu resultado.


No sentido ocidental, especialmente no sentido europeu e judaico-cristão, meditação significar reflexão, significa penetração também, mas num sentido mais abstrato, penetração no significado, que leva à compreensão profunda. 


Quando se vê um judeu ou um kabalista meditando em pé ou sentado, ele está balançando um pouquinho e as vezes repete ou canta uma frase. Ele não está usando aquilo como mantra, como um oriental, para concentração, ele está refletindo, concetrado sim, mas ativamente, refletindo, para penetrar nos mais profundos significados daquelas frases. O que alguns rabinos estão adotando hoje como prática da kabalah, usando mantras não é de jeito nenhum a prática antiga da kabalah (hoje muitos judeus meditam usando as mesmas maneiras do oriente também e as frases como mantras, mas isso é relativamente recente, não tradicional). 


Essa prática, tanto no judaísmo ortodoxo como na kabalah era considerada inadequada e até subversiva, vista como uma "contaminação" cultural (visto que no passado já haviam pensado o mesmo dos essênios e nazarenos, como "contaminados" pelas influência orientais, gregas, helenísticas, etc., principalmente budista, pois muitos já viviam naquela região desde a época expansionista do budismo pelo rei Asoka, e depois disso meditavam ao estilo oriental ou semelhante também os gnósticos e cristãos, dos quais os judeus também não admitiam receber influências). 


A prática judaica original (e as kabalistas também), chamada de meditação pelo ocidente, era a entonação de rezas, orações, cânticos e preces musicais chamadas nigun (“melodia” em hebraico), bem parecido ou a mesma coisa que a oração em línguas estranhas e os cantos espirituais cristãos (a diferença é que no modo cristão as sílabas ou "palavras" são inspiradas no momento, enquanto que nas formas judaicas tanto isso pode acontecer, mais raramente, como as sílabas podem ser já decoradas). É um conjunto de sílabas "desprovidas de sentido", dizem os judeus, mas para os cristãos há um sentido só compreendido por Deus ou por outro que tenha o dom da interpretação. De qualquer formas em ambas as tradições são reconhecidas como instrumeto de expressão espiritual e de conexão direta com Deus. Diz-se também que diferente do cristão o judeu não pede em suas orações, mas só agradece. Seja isso mito ou fato o ensinamento contido nisso é que a ponte para a conexão com o iniciante é ser grato. Já na tradição cristã e gnóstica, sejam as rezas ou rituais decorados, ou seja o canto, fala ou língua estranha o propósito e o papel é o mesmo. O que a kabala também explica: a ponte entre o mundo superior e inferior e a porta do coração de Deus é o louvor, que inclui, é claro, a ação de graças.


Enfim, no sentido ocidental, o sentido de "meditação" vai desde o da reflexão comum, mental ou intelectual, até o processo imersão na onipresença do Onisciente.


Se diz que no oriente os mantras começaram assim também. Mas outros discordam disso. O fato é que há em comum em todos os casos: há uma atenção focada e dirigida, presente, para algo, concentrada em algo. Mas no caso oriental ela é passiva e visa ser mais e mais passiva e no ocidental ela é ativa (depois veremos sobre isso nos quatro tipos de meditação). E novamente em ambos os casos, o resultado da concentração é o isight, ou seja, a compreensão profunda, a visão profunda. No método oriental às vezes a prática é cercada por orações ou cultos (antes e depois, mas as vezes também durante). E na prática ocidental muitas vezes a prática é permeada pela oração ou louvor (especialmente no durante, buscando a comunhão com Deus cada vez maior e mais profunda). Em ambos os casos, quando há o sucesso da operação em seus resultados, se dá o que se chama gnosis, conhecimento direto, íntimo, profundo, superior... Ou para alguns epifania, ou êxtase, ou comunhão divina...


Seja como for, falando cientificamente, o que há de comum entre todas as tradições, orientais e ocidentais é a concentração, mas nestes casos ainda aliadas a separação do mundano e comunhão com o divino, ou pelo menos com estados mais elavados de consciência. O resultado que pode ser medido é o que podemos evidenciar pelas descrições das experiências e comprovar pela alteração das ondas cerebrais, que em todas essas práticas se alteram e se conduzem exatamente da mesma maneira. Ou seja, a alteração verificável até através de aparelhos é uma mudança de nível de vibração. A longo prazo a compreensão, a experiência direta e muitos outros fatores também são alcançados.


Isto é o que diz a ciencia. Mas precisamos, para sermos honestos, perguntar se consciencialmente ou espiritualmente o resultado também é o mesmo, que pode ser equivalente também como os mentais e corporais. A resposta pode nesse caso nao ser tão simples. Todos sem dúvida levam a um estado de concentração e ampliação da consciência, às a penetração em realidades até indescritíveis. Mas levam ao despertar, a acordar?


A resposta mais honesta seria que podem levar. Lembremos que são meios, não os fins em si mesmo, o objetivo da concentração é o despertar, no sentido de ver a realidade como é; o objetivo da oração, devoção, contemplação, reflexão é compreender a realidade como realmente é, é a comunhão com o Onisciente, é a comunicação e comunhão com Deus. Ambos os processos têm como resultado despertar e de libertação, pelo menos temporários. Não se automatiza isso. Há que ser tornado uma vivência constante. Isto é o que diz a tradição.


Mas o praticante ao sair da prática pode sair do estado, e isso não é por poucas vezes, aos poucos volta a um estado de desatenção e mundaneidade, e até a estar novamente no estado que começou. É o que acontece quase sempre. Para que isso não aconteça, ou a princípio aconteça cada vez menos e em menor grau, existe algo muito importante a ser feito, que é também o qe alimenta a concentração, é o estar desperto constantemente, instante a instante, a vigilância, a atenção plena, momento a momento. Veremos em seguida...




frateriliv@gmail.com








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