quinta-feira, 21 de setembro de 2017

O PRIMEIRO TRABALHO


Em nossa fraternidade explicamos tudo claramente, cientificamente e o mais sucintamente possível, para que não haja erro, engano ou distração com vãs teorizações. É preciso que se comprove, não apenas que se entenda. E ademais, apenas entender não é nosso objetivo.
Assim não estamos preocupados com explicações para convencê-la, nem para que você meramente entenda. Estamos ocupados em esclarecer com extrema clareza, lucidez e se possível o máximo sucintamente para que não haja devaneios nem perda de tempo, mas que se ponha logo em teste, em prática e corrobore com seus próprios resultados.
Mas para comprovar muitas coisas mais avançadas é preciso ver com clareza e para ver com clareza é preciso despertar um pouco mais. Sim, despertar, pois não estás acordado, ao contrário do que pensas. Estás apenas sonhando que estás acordado, pensando que estás consciente. Não percebes que estás sonhando exatamente como nos sonhos que tens à noite quando te deitas e dormes.
A única diferença deste sonho agora e daquele em que este corpo permanece na cama é a segurança: aquele sonho é seguro, de pouca duração e poucas consequências; este aqui em que estás agora é inseguro, perigoso em suas consequências que podem ser bem mais duradouras.
Entre aquela dimensão mental e esta não existe diferença na solidez (se olhares bem quando lá estiveres perceberás), mas sim na plasticidade dos objetos, na maleabilidade destes aos seus desejos, anseios, vontades, hábitos, condicionamentos.
Esta aparente “volatilidade” dos materiais lá é mais patente naqueles próprios constituintes mentais seus. Notavelmente perceptível na consciência, na lembrança e nas sensações que se tem lá. Esta “volatilidade” também está presente aqui. Isto é o mais essencial que vejas agora. Embora aqui durem mais as coisas, consciências, lembranças, sensações, estas também passam, também desaparecem, também oscilam. Tudo segue este processo, tudo está em processo de surgir, permanecer e desaparecer. Tudo se desintegra.
Este é o primeiro passo no acordar então. Ele é constituído de três elementos: (1) ver por si mesmo (não basta entender ou concordar comigo, é preciso ver de fato) que não está plenamente acordada, desperta; (2) ver que tudo está em constante processo de mudança, surgir, permanecer e desaparecer, e em constante transformação (não apenas em decorrência das intempéries ou quaisquer fatores físicos, mas também da atenção que lhe demos e da qualidade desta); e (3) tomar a decisão de estar atenta, acordada, vigilante ao que ocorre em sua consciência.
Esta é a principal técnica, estar sempre lembrada de estar atenta à própria consciência. Consciente da consciência, do que ocorre nela e de seus processos. Consciente também do que ela lhe mostra, principalmente nesta característica de constante mudança de tudo, inclusive de si mesma e de sua própria presença. Assim você notará que ela não é uma só, mas que você tem que invocá-la e sustentá-la sempre, de instante a instante, quase pode ver como que fabricando-a mesmo. Este é o primeiro passo.
Quando você perceber tudo isso uma ou outra coisa virá também à tona: (a) que você está sempre insatisfeita, ou que isto é sempre insatisfatório, ou seja, há sempre uma sede, ou por outra coisa, outro estado, ou por mais deste, a permanência, o incremento ou o crescimento deste; (b) a outra coisa que pode vir em vez disso à tona é que não há um centro de comando, um indivíduo, uma só personalidade reinante, um eu que comanda tudo, mas simplesmente elementos e características que se sucedem, e que também surgem e desaparecem. Esta segunda é bem mais difícil de ser vista pela maioria, mas se verá mais cedo ou mais tarde. Porém não é importante entrar em detalhe sobre isto agora, mas sim ver isso por si mesma, com a prática.
Ver estas três características em tudo, inclusive no chamado si mesmo, é então o segundo passo no processo do despertar, ver: (1) a impermanência, (2) a insatisfatoriedade e  (3) a insubstancialidade.
Isto é tudo no começo. Com isto está descrito tudo, todo processo e prática necessários ao início do despertar. Deves iniciá-lo exatamente agora se queres ver por si mesma, se queres realmente saber, se queres realmente compreender, para então ver por si mesma a verdade.
É preciso, neste caminho, antes de qualquer saber, entender e conhecer o “aparelho” do saber, o “mecanismo” do saber: o informador, os sentidos e a mente e o sabedor, a consciência. Só assim terás consciência de algum conhecimento seguro. Se não tudo será como foi até hoje, sonhos. Quando estiveres vendo compreenderás. Então pensarás consigo “que coisa! até hoje estive dormindo, nunca estive como estou agora!”. Que esta experiência se repita mais e mais em níveis cada vez mais elevados e possamos então nos encontrar e nos olharmos com um olhar de “estou realmente aqui, agora, acordando”.
Pode-se, deve-se, treinar isto numa forma de meditação formal também, começando com cinco minutos, então dez, quinze, vinte, trinta, quarenta e cinco...: sentada com a coluna ereta e pernas cruzadas, seja no chão, numa almofada, num banquinho ou numa cadeira, os olhos podem estar fechados ou semicerrados, simplesmente abandonar tudo que é “exterior”, pelo menos durante o tempo da meditação, firmemente, simplesmente abandonar, deixar tudo, deixar tudo ir, soltar, largar tudo, por esse momento e concentrar-se somente na consciência e no que ocorre nela. Apenas observando-a, consciente dela e do que estás fazendo, observando tudo que surgir, sejam sons, coceira, pensamentos sentimentos, lembranças, desejos, imaginações, aflições, seja o que for, resolutamente observar isto sem agarrar, sem tentar modificar, apenas observar imparcialmente, e deixar ir, soltar, deixar que se vá e voltar novamente a atenção à consciência somente. Farás isto diversas vezes numa sentada, e diariamente, até que comeces a ver “espaços” de apenas consciência, consciência pura, fixa-te nisto por enquanto, isto é tudo que precisas conhecer e isto é o conhecedor a fonte de todo conhecimento, não queira conceituá-la, segurá-la, tomá-la para si ou possuí-la, apenas observa-a, apenas procure conhecer. Se tudo mais atrapalhar ou se surgir desejo sedento por isso ou por qualquer coisa simplesmente note isso, pode dar um rótulo e em seguida abandonar, deixar ir, se for insistente simplesmente diga “isto não é meu, isto não sou eu, isto não é o meu eu” e largue, solte, deixe ser e deixe ir. Estes dois meios de livrar-se (identificar-rotular e deixar ir) são tudo que precisas saber agora e suficiente para alguns anos, para avançar, aprofundar e ir mais além.
Se qualquer um buscar isso e praticar com diligência a fraternidade o encontrará e ajudará, interna ou externamente, a aprender o que mais precisa para levar o processo adiante e ao seu potencial máximo.