Por Fra. I.L.I.V.
1. A consciência em si é vazia
como um espelho, porém luminosa. Aqueles que não meditam não veem sua
luminosidade própria, ao buscar observar a consciência não a veem de fato, mas
aos objetos que estão nela, como se veem imagens refletidas num espelho. O pesquisador
treinado, ao observar constantemente a ponto de já enxergar ou mesmo produzir
momentos de pura consciência vazia, vê, ainda que de forma imprecisa e
incompleta, apenas esse vazio e, só às vezes, essa luminosidade que para uns no
início chega até a parecer simplesmente a ausência de tudo e para outros o
oposto, a completude. Esta é a consciência por trás de todos os fenômenos, que
contem todas as coisas e fenômenos, que comtempla todas as ideias e relações da
mente. Embora ela pareça pessoal, própria, isolada, isto é apenas um engano
provocado pela nossa identificação com os objetos da consciência. Quando o
meditador larga esse apego ou essa identificação errônea ou pelo menos quando
se identifica com a consciência em si ele percebe por si mesmo esse engano.
Deixando de lado essa forma de pensar ou de ver ou esse engano ele percebe que
ela em si, ou seja, fora os objetos em seu fluxo, é vazia e luminosa, aberta ao
que puder surgir e não uma coisa ou um fenômeno só mas uma sucessão de
consciências conscientizadas, ou seja um fluxo de ínfimos instantes de
consciência sustentadas conscientes pela vontade motivada pela afeição. Como um
espelho refletirá o que for possível de estar em frente a ele e seja suscetível
à luz. Portanto ela é a mesma em todo e cada ser vivo, o que muda de um ser
para outro é o que aparece nela, as experiências, os “conteúdos” (melhor dito,
o fluxo dos conscientizados pela consciência e não o fluxo mesmo da
consciência). Entretanto nos seres essa vontade e essa afeição podem ser dispersadas
em objetos e fenômenos e distorcidas pelo prisma dos objetos escolhidos e
fenômenos de afeição.
Isso nos leva a
algumas consequências importantes. A mais importante delas é a de que a
diferença entre os seres é justamente aquilo que é mortal, transitório,
transformável. E justamente essas coisas, por tomar um ponto de vista
equivocado, são as quais se apega (uma distorção cega ou doentia da afeição
original) e por isso sofre. No topo dessas coisas está a própria abrangência da
consciência quanto aos conscientizados, a intencionalidade e o afeto. Cada ser
tem sua história, suas experiências, e as únicas coisas que são unicamente suas
são suas ações desencadeadas por essas três elementos combinados, a consciência
em seu fluxo e relações, ou seja, o que e como ‘percebe’; o afeto em sua
seleção daquilo que lhe toca, de como lhe toca, de como se sente em relação a;
e a intencionalidade da consciência que fica geralmente oculta, por sua
rapidez, do crivo da consciência mesma distraída pelos objetos e fenômenos,
sendo apenas vislumbrada a posteriori como reação ao conscientizado e sentido,
ou às vezes como impulso, instinto ou necessidade.
Mas para o
meditador experiente acostumado a perceber que a intencionalidade é simultânea
à consciência, há (1) uma liberdade da consciência da prisão do condicionado,
do mundo fenomênico (antes tido com existente por si mesmo), de suas impressões
e afeições condicionadas (sentimentos, sensações, feelings) e, portanto, uma
visão mais clara e lucida, desobstruída de tais distorções; e quiçá o acesso as
condições originais. Pode haver também assim (2) uma libertação em relação ao
experimentado antes como fato fixo inalterável e existente por si mesmo (fosse
fenômeno, coisa e seu fluxo). Ele pode alterar as impressões, a consciência ou
mesmo o que antes tinha como objeto e ou fenômeno. No primeiro desses processos
se baseia o processo do despertar, do conhecer e do ver por si mesmo. No
segundo se baseia a transformação de si mesmo, da vida e do karma do
praticante. Ambos os processos (1 e 2) são acelerados pela atenção constante e
quando dirigidos para uma purificação mental (desobstrução das condições
originais). A purificação mental e a lucidez consciente, por outro lado, são
acelerados num crescente retroalimentando com os dois processos.