segunda-feira, 11 de maio de 2020

Os objetivos últimos são realizáveis aqui agora - terceira parte


2. Ser santo

A palavra santo significa simplesmente "separado", no contexto em que surge está invariavelmente ligada a idéia de "separado por Deus" ou "separado para Deus" ou "consagrado a Deus" ou a algo transcendente. Mas mais uma confusão com termos orientais gerou uma mistificação e distorção do conceito. No oriente se fala em "viver a vida santa" e santos são os que fazem isso, e novamente encontramos a idéia de separação do mundo, mas aqui já uma separação que eles entendem como física, eles se retiram para uma vida monástica afastados da sociedade. Foi daí importada para o ocidente a idéia de monastérios e de santos como pessoas especiais, beatos, ou vivendo uma rígida disciplina em lugares reclusos ou separados de alguma forma do resto da população e dos seus costumes.

Quando o ocidental vai olhar isso lá, o que se chama de santos, o que ele encontra? Se chegar no oriente e perguntar pelos santos, vão ser levados onde estão realmente pessoas separadas, mas não necessariamente separadas para Deus (ou outros deuses), são na verdade reclusos, monges, eremitas, ascetas, etc.. E antigamente, no surgimento dessa expressão, se referia exatamente e somente a isto, mais precisamentes aos ascetas, faquires, samanas, ermitões, monges e yogins retirados na floresta vivendo solitariamente ou em comunidades monásticas. Eram pessoas que se retiravam do convívio comum, se isolavam.

Foi de uma proposta de vida afastada desse mesmo tipo que surgiu a comunidade de Basílio de Cesareia e Pacômio, por exemplo, que estão entre os primeiros monásticos cristãos. Esse modo de vida era comum no oriente antes, e talvez até eles tenham sido contemporâneos a alguns destes no mundo helênico, onde houveram os essênios judeus, os samanas hindus, os monges budistas, os monges jainistas, etc.. Cristãos que tomaram esse modelo de "santidade" no lugar, ou equivalente, ao conceito que Cristo ensinou, cometem um terrível erro. Algo totalmente fora da tradição cristã original, da tradição dos Apóstolos, aliás ainda apontada pelo apóstolo João como um sinal dos que são anti-cristos (pois proibem o casamento).

Só que isto ainda gerou uma tradição errada, não apenas uma interpretação ou só uma prática opcional individual, mas é uma instituição, uma tradição errada neste sentido. Porque o sentido de se alcançar a santidade separando-se fisicamente do mundo seria apenas um símbolo, uma representação metafórica, que aponta para o tipo de separação que a mente deve ter do sistema mundano, não do mundo material ou de seus habitantes, pois só diante das relações da convivência normal afloram a características comuns da mente corrompida, características essas que devem ser mortificadas. Em suma, o recluso está fugindo de ver como ele mesmo realmente é e indo na direção de uma ilusão de santidade. O próprio buda Sakyamuni que propõe a vida monástica como ideal mais elevado reconhece que a pessoa nesse ambiente pode estar em aparente calma devido apenas às condições ambientais desse modo de vida. Ademais a proposta da vida monástica não seria um treinamento para a santidade como depois foi tomado, mas sim um treinamento de um tipo profundo de concentração (dyana) que precisa de uma mente calma por longos períodos para que aconteça. Embora isto também possa ser util, por algum período ou por alguma necessidade momentânea, para a consecução da verdadeira santidade, no conceito correto da palavra, de separado para Deus, é de pouca ou nenhuma utilidade, aliás, pode atrapalhar. Não nos serve, aliás budistas e jainistas por exemplo não se separavam do mundo para se dedicar a Deus, pois não crêem nem que Deus exista, os objetivos deles são outros.

Tenho que esclarecer aqui não apenas que santidade, santificação, ser santo, não tem a ver com beatitude, virtudes, obras, milagres, caridade, nada disso; como também precisamos ver que o conceito correto de santo nos leva a uma realização aqui agora, não algo para o futuro ou uma promessa vaga. Nem algum fruto remoto de nossas capacidades.

Mas primeiro precisamos dar o braço a torcer sobre a relação, ainda que não completamente acertada, do termo santificação com outros quatro termos preciosos em nossa escola que equivalem em alguma medida a esta mesma definição. E que realmente, é correto que em certo sentido o significado de santidade como um processo fala de algo que só se realiza totalmente em seu final, ou que tem uma consecução em seu término. Para isso precisamos separar bem e delimitar até onde vai o alcance de cada um desses conceitos que são: purificação, regeneração, restauração e reintegração. E para entender que não pode ser tão simplório como possa parecer, ainda temos outros três termos aos quais estes se relacionam na tradição, que são transformação, transmutação e transfiguração. É preciso também ainda desfazer a confusão que se faz entre esses termos e o termo renascimento. Definir completamente esse termos aqui seria muito longo e não é nosso objetivo. Mas vamos desfazer as confusões que se fazem sobre eles, então vamos a curtas, mas claras definições. Vejamos por partes.

A. Renascimento é um assunto espiritual, tem a ver com a consciência; santificação é algo que ocorre na mente, a alma é seu campo. Renascimento não é progressivo, não é um processo sujeito a ritmos ou idas e voltas. Do mesmo modo como quando se nasce, se nasce de uma vez, e não existe como "desnascer" ou voltar a ser não nascido; o renascimento também ocorre de uma vez e tudo dito sobre o nascimento do mesmo jeito se aplica ao renascimento. Portanto não é preciso nem dizer o que é renascimento para entender que ele é bem diferente de um processo contínuo, que é o que são todos esses outros, transformação, santificação, purificação, etc.. O renascimento ocorre de uma vez por todas, é um instante no tempo, não um processo. É quando o espírito mortificado desperta, há um novo discernimento, ele está consciente de algumas coisas que antes não estava, a consciência estava condicionada a uma tendência e agora ela vira para o outro lado e vê e segue por uma tendência oposta a essa, vê algo que parecia não existir antes, estava morta em relação a isso e agora viveu, tateava na escuridão e agora há luz, algo aconteceu e o espírito renasceu, tornou à vida. E uma vez acontecido isso não tem como voltar atrás (quando, como e porque acontece não vem ao caso agora, isto seria outro tema já bastantes extenso por si só).

B. Purificação é uma palavra que caiu quase em desuso na modernidade e dizem que gera muitos mal entendidos, por isso é até evitada na maior parte dos textos. Ela é também a preferida nas tradições orientais para se referir ao processo que vou descrever, mas mais encontrada ainda no hinduísmo e nos posteriores budismo e essenismo, nem por isso deixa de ser adequada para o processo a que se refere. Acontece que esta palavra é das poucas que descreve com precisão o processo pelo qual é preciso passar para que a mente seja restautada a sua plena capacidade e à sua estrutura original. Ora, se há uma estrura original e esta é bem mais ampla e capaz que do que a que usamos agora, então ou algo foi subtraído dela, ou algo foi acrescentado algo gerando obstáculos e ou deformações. Nós chegamos a conclusão (não importa agora dizer como) que se dá o segundo caso. E retirar isto que é alienígena, tudo que foi acrescentado à mente que não fazia parte dela originalmente é obviamente retirar os obstáculos.

A mente é um sentido, o que recebe  de todos os outros. Considere que a mente é como uma janela que abre e fecha, de dentro vemos o que está fora quando a janela está aberta. As coisas que vemos do lado de fora não são as mesmas que vemos do lado de dentro, mas quando nos apossamos de coisas de fora a trazemos para dentro da sala. Os espaços da sala vão diminuindo de modo que não enchergamos mais o lado de fora de fora por todos os ângulos que viamos antes, e os objetos da sala faram alterados de lugar, outros substituidos e outros encobertos pelos que trouxemos de fora. Esse processo de fato continua, podemos até fechar a janela com objetos e encher completamente a sala. Então podemos não enchergar mais nada, nem dentro, pois não entra luz, ne, há espaço, nem fora, isto seria morte.

O mesmo que ocorre a essa janela ocorre com a mente. Ela é como uma janela, ela não se altera, o que se altera são os objetos mentais, ou seja, o que está na sala e o que está no lado de fora. Esse símile ainda tem uma deficiência: uma sala tem limites, você pode encher completamente, mas a mente seria como uma sala elástica. Você sempre poderá trazer mais objetos para dentro da sala por trás da janela, você sempre poderá trazer novos objetos mentais, ela nunca enche, mas isso alterará completamente sua perpectiva. Agora, quando você joga fora os objetos que causam obstáculos à visão, ou mesmo quando os rearruma de outra maneira você pode ampliar a visão. O problema é que a grande maioria das pessoas confunde a janela, com a sala, a mente com os objetos, e até objetos mentais de fora com objetivos mentais de dentro às vezes. A janela é a mente que recebe todas as imagens infinitamente. Uma janela não se desgasta pelo fato de se visualizar mais ou menos objetos através dela. A sala é o chamado eu, o ilusório eu (outro assunto que não vem ao caso agora) e os objetos internos são os objetos mentais internos, visões, sonhos, lembranças, desejos, vontades, pensamentos, emoções, sentimentos, sensações, imaginações, planos, imagens, cálculos, etc.. Ainda é complexo falar sobre o que seriam objetos externos, mas podemos resumir dizendo que são as coisas, os acontecimentos, as pessoas, os animais, etc., embora só tenhamos acesso a estes como sensações.

À medida que nos apossamos ou confundimos os objetos exteriores à natureza própria da mente nós a maculamos. Retirar tais objetos e modificações é purificar, torna-la pura, como era, só ela em sua própria natureza, sem uma natureza estranha a ela mesma. É como um sistema operacional de computador sem virus, puro, não tem nenhum programa que lhe atrapalhe ou destrua. Parece fácil quando falamos, mas é difícil, de fato é impossível para nós mesmos. Se fosse possível alguém já o teria feito. Por isso purificação é um processo gradual e contínuo que só em seu término é alcancado independente do expediente ou artifício que se use para tal. Ninguém pode dizer "sou puro nesse momento", porque só será puro ao final do processo, mas pode dizer "sou santo nesse momento", porque ser santo é ser separado, em qualquer estapa desse processo se pode atingir a santidade. Purificação é sem dúvida um de nossos grandes objetivos, por isso ensinamos meios que entendemos eficazes, mas purificação, em seu sentido correto é bem diferente de santificação. Santificação é um dos processos que levam à purificação, mas um processo que se realiza de instante a instante e não de grau em grau, e a purificação é um dos processos que leva à visão.

C. Então aqui podemos já definir o principal tema que estamos estudando, o que é santificação. Santificação é separação do sistema do mundo decadente, uma separação que realizamos de instante a instante, do mesmo modo que realizamos o processo de estar consciente, desperto. Como já foi descrito anteriormente, sobre o processo de estar desperto, o mesmo se aplica à santificação. Agora vejamos mais sobre isso em diferenciação aos aos outros conceitos igualmente importantes.

D. Regeneração, em poucas palavras, também é um processo que se realiza momento a momento. Mas ao contrário do ser santo, que pode ser realizado aqui agora, ser regenerado não pode, só acontece no final do processo. Regenerado é gerado de novo, então veja que é por isso mais uma palavra que se confunde com renascido. Regeneração é análogo a purificação, sendo que purificação se refere à retirada de elementos, e regeneração é o processo de retorno ao estado original. Comparando a mente a uma pele ferida, purificação é a asséptica do ferimento, sua limpeza, e regeneração é o processo natural de cicatrização.

E. Já restauração é a parte do processo que cabe a nós, diferente da regeneração, a qual não somos nós que produzimos. Ainda tomando a mente como uma pele ferida, a restauração seria o processo cirúrgico necessário numa ferida de profundidade. E essa ferida é profunda. Portanto o processo cirúrgico, a restauração, é um dos processos que vai levar a regeneração, sendo que sua ausência ou presença não impede que a regeneração aconteça, mas interfere positivamente em como e quando será seu final. Note bem tudo isso, que é tão claro quando se refere a matéria, mas que não é distinguindo nem pelos mais inteligentes psicólogos e filósofos quando se trata da mente e isto gera um conhecimento muito impreciso e deficiente da mente e dos processos mentais.

Restaurar, portanto, é refazer, nesse caso, retornar as estruturas às condições originais. Por isso, por ser tão dependente de nós esta parte, é que precisamos ensinar todos os detalhes com todas as suas nuances, é que precisamos mútua cooperação, contar com a experiência dos mais amadurecidos e nos fortalecer presença, na inspiração e no exemplo uns dos outros. Por isso a instrução da ordem se faz tão necessária. Assim como qualquer um não poderia fazer uma cirurgia em si mesmo, nem mesmo um cirurgião profissional faria em si mesmo uma cirurgia sozinho, temos que nos especializar muito e receber ajuda para realizar este processo aqui agora, mas que também só estará completo quando terminá-lo. Aqui é muito cumum acreditar que é algo fácil, que se faz sozinho, e que só isso basta, esquecendo todos os outros processos. Mas nada disso é verdadeiro, esse processo é complexo, trabalhoso, não se faz sozinho, mas em determinado tipo de agrupamento, com ajuda mútua, e é apenas um dos processos necessários. É isso que no evangelho se mostra como ekklesia, igreja, comunidade dos santos, dos chamados para fora do mundanismo. Quando Yeshua diz "voz" é preciso dicernir que muitas vezes está se referindo à comunidade como um todo, não cada um dos indivíduos em separado, existem revelações e realizações necessárias que só ocorrem no corpo da congregação. Restauração contribui também na regeneração que leva a reintegração.

F. Reintegração é o objetivo dos processos todos, ser reintegrado à natureza original eterna. Todos os processos citados acima colaboram para que esta reintegração seja otimizada ao máximo. Quando e como, é assunto para outro tema, mas deve necessariamente ocorrer no final como conclusão e consequência de todos os processos. Reintegração não se refere a simples volta ao convívio ou o habitante de dois mundos como alguns dizem, mas ao rerotno definitivo em sua forma final. Aqui já é muito mais difícil definir alguma coisa porque a experiência nos falta, a noção nos falta. Mas é incomparável ao tipo de experiência e conhecimento que temos agora, só restando aos que ainda estão aqui os relatos de algumas experiências extraordinárias de alguns ou algumas das experiências de quase morte de outros, sendo que além disso há ainda sempre a noção de comunhão, de consciência clara e de corpo, que pode assumir várias formas e a não-forma. Não se trata apenas de paz, de reencontro, de amor e de sensações boas, mas inclui muito mais, como, por exemplo, uma maneira de ver e de conhecer completamente amplificada, algo muito além do imaginável, como uma eterna boa surpresa, é um conhecer eterno. Por isso é a alvo dos que amam o conhecimento.

G. Transformação, transmutação e transfiguração. Entramos agora no campo mais difícil e talvez até nunca antes definido completamente. Porém, como dito antes, a intenção aqui não é definir completamente, mas delimitar bem cada um desses conceitos no que concerne à sua clara diferença uns dos outros. Neste ponto talvez a maior dificuldade é que esses três possuem uma área em comum, onde se interpenetram. Mas vamos desfazer essa confusão na medida do possível dentro do que estamos nos propondo.

É preciso compreender a origem dessa confusão. Diferente dos outros pontos onde as diferentes ordens, tradições e escolas com o passar do tempo importaram conceitos orientais não precisamente definidos para dentro dos campos de seus próprios conceitos, gerando confusão, agora temos conceitos quase que exclusivos das escolas e do pensamento ocidental, mas mesmo assim houve o mesmo tipo de confusão. Vejamos.

Primeiro há um mal entendido entre esses conceitos com os conceitos de salvação e iluminação como são definidos no ocidente. Salvação é praticamente uma exclusividade da cultura ocidental e mais precisamente da cristandade; iluminação também, não existe na cultura oriental (veja nosso artigo específico sobre isso). Mas por um erro de tradução de palavras gerou-se a confusão, por exemplo a palavra moksha, que seria melhor traduzida como libertação do que como foi no passado, traduzida como iluminação; e a palavra buda, ainda hoje erradamente traduzida como iluminado, que seria bem melhor traduzida como desperto. E em segundo lugar ainda são criadas falsas relações entre esses conceitos (salvação e iluminação) e aqueles outros (transformação, transmutação e transfiguração).

Salvação em nenhuma outra cultura se refere a mesma coisa a que cristãos se referem. A salvação cristã é do pecado e do juízo, ou seja, das consequências finais do pecado que são a morte, a condenação, a segunda morte, etc.. E no processo de salvação, tido pela maioria dos eruditos, ortodoxos e tradicionais, como sendo imediata à conversão (que é o arrependimento e o voltar-se para o outro lado, isto, do mundo para Deus, da carne para Cristo). E nesse ato já ocorre o renascimento, para boa parte dos estudiosos ortodoxos e da tradição. Mas para outra parte da tradição, especialmente a ortodoxia oriental, o cristianismo esotérico e o catolicismo romano, diverge ligeiramente disso, pois interpreta que o perseverar leva, no futuro, ao completo renascimento e completa salvação. Para os primeiros o perseverar é na fé e no arrependimento dos pecados (alguns poucos também somam a isso a obediência aos mandamentos); para os segundos não é simplesmente perseverar na fé no Salvador e no arrependimento dos pecados, mas também em alguma medida nas boas obras, no não pecar (alguns acrescentam a isso ainda os chamados sacramentos ou ritos e rituais, etc.).

Não vem ao caso aqui discutir quem está com a razão, mas dicernir o pensamento tradicional, o pensamento popular e nossa tradição recebida.

Paulo diz para transformarmos-nos pela renovação de nossa mente, ou seja, um trabalho nosso. Por outro lado já temos a mente de Cristo uma vez que tendo aceito seu sacrifício por nós, nos tornamos seus herdeiros e não seguimos mais as nossas mentes nem procuramos nos salvar por nós mesmos, mas o temos como único Senhor e Salvador. Paulo também diz que fomos tranformados em nova criação, e também diz que seremos transformandos corporalmente recebendo um novo corpo imortal (que é um dos principais objetivos da alquimia chinesa antiga, mas a alquimia ocidental se refere a algo diferente, vê a transmutação dos elementos como um símbolo, da transmutação da mente que, ao seu final, encontrará a eternidade e receberá também esse novo corpo imortal dito por Paulo, mais adiante veremos a diferença). E Paulo diz ainda que a salvação é dom que vem de Deus, pela graça, não por obras, para que ninguém se glorie a si mesmo.

Ou seja, mesmo na tradição ocidental a palavra transformação se refere a três coisas distintas, três estágios diferentes. Ainda Samuel fala de uma transformação de quando se recebe o Espírito do Senhor, e que essa salvação é: ser transformado numa pessoa diferente. E mais, ainda nas tradições ocidentais, nesse caso herméticas, se fala da transformação do ser humano todo em sua essência, e de uma mudança do que é mortal e decadente para o que é imortal e imperecível.

Em todos esses casos citados acima vemos as mesmas três transformações já referidas por Paulo. Uma equivale ao renascimento, é a transformação pela graça, operada por Deus; outra é a que operamos, ou na qual temos parte, atuamos em parceria com Deus; e a outra é a que receberemos no corpo, um corpo imortal espiritual (há ainda o corpo da ressurreição futura, que pode ser diferenciado deste em algumas visões...).

Observe aqui a grande diferença, por exemplo, entre as alquimias chinesa e egípcia e a alquimia chamada espiritual ou, mais acertadamente, psíquica, que predomina no ocidente. Nas duas primeiras o renascimento só ocorre no final, ao contrário da segunda em que o renascimento é espiritual e pré-requisito, ocorre no começo; nas primeiras o renascimento e o corpo imortal são trabalhos nossos ou frutos de nosso trabalho, na segunda são obra divina, pois só o Eterno tem este poder, e a matéria, ou qualquer coisa que se faça nela, não pode levar à salvação da alma ou de modificar o estado do espírito; e, nas primeiras o corpo imortal é material desse mundo, além de ser obra nossa, é para este mundo já e para um tempo supostamente infinito futuro (chamado muito erroneamente de eternidade) e não um corpo espiritual numa eternidade espiritual, atemporal, como é na segunda.

Assim, sem necessidade de ir muito adiante já temos clareza sobre o que é transformação, resta definir bem claramente onde cada uma dessas três etapas ocorre: (1) a transformação chamada de renascimento ocorre no espírito que é revivificado, uma nova consciência desperta, ela tem a lei em si, ela sente mal estar quando pecamos e sente paz quando fazemos a vontade de Deus, essa trasformação inclui os processos de purificação e regeneração; (2) a transformação na qual também operamos ocorre na mente, esta inclui os processos de santificação e restauração (que ocorre especialmente no convívio com os santos, na congregação dos santos); e a transformação final que ocorre na forma, um corpo imperecível, imortal, eterno, incorruptível, etc., que é a reintegração e que inclui a finalização dos processos de purificação, restauração, regeneração e santificação. Espero que tenha ficado agora tudo bem claro e definido até aqui.

Também não é preciso expor exaustivamente nem descrever em todos os detalhes os demais processos para entendê-los e diferenciá-los bem.

Transmutação é o processo alquímico por excelência, nele temos incluídos aspectos das três formas de transformação mostrados acima. Não há nenhuma razão para manter isso envolto em segredos novamente, todos sabemos que os processos alquímicos são em última análise, que têm como objetivo representar processos espirituais e anímicos (conscienciais e psíquicos). Mas é verdade que também existem os corporais, tanto no sentido da saúde aqui nesse mundo quanto da consecução de um corpo imortal. E por isso, por esse detalhe, houve grande confusão, por causa dos segredos, códigos, simbologias mal compreendidas; e ainda confusão com outras formas de alquimia primitiva como é o caso da chinesa e mais posterior e fortemente com a egípcia. Mas a palavra transmutação de fato se refere a um conjunto de processos que vão desde as transformações com tudo que elas incluem até a reintegração final, ou seja, retorno ao estado original como é chamado às claras em muitos tratados.

O problema é que culturalmente e mesmo derivando de erros, crenças e até interpretações absurdas inclusive de muitos alquimistas (ou que se diziam alquimistas) foram acrescentadas muitas práticas e processos inúteis, insalubres ou que só atrapalham o processo real da chamada arte real. Ainda também foram modernamente resgatados erros do passado que já haviam sido abandonados por serem obsoletos ou prejudiciais, novamente incorporados como se fossem elementos novamente necessários. Tudo isso, somado a tratados em uma linguagem simbólica impenetrável, que se utuliza dos elementos químicos, símbolos geométricos, astronômicos e outras coisas, como símbolos de processos internos, tornou a alquimia, de ciência e modismo de uma elite intelectual, uma ciência marginal, até que finalmente é quase abandonada por completo e ridicularizada. Se por um lado não era de forma alguma entendida, de outro era interpretada completamente de forma equivocada por especuladores e por charlatães que eram tidos por uns outros como alquimistas renomandos.

Mas em resumo transmutação é uma palavra para nomear, no geral, todos esses processos citados e, mais especificamente, para se referir a transformação completa. Mas esta é bem melhor denominada trasmutação completa (veja que não é trasformar, mudar de forma; é transmutar, mudar um por outro, trocar um pelo outro, substituição (Deus me perdoe revelar aqui esse segredo, mas é tão óbvio que todos passam por cima sem ver)). Transmutação essa que se resume no processo de "transmutar os metais vis em ouro puro", ou seja, trocar os erros, os defeitos, os pecados, as tendências baixas e animalescas, as pulsões inconscientes que geram desejos violentos ou sintomas doentios, etc., etc., etc., em ouro puro, ou seja, no fruto do espírito, que contém as virtudes da alma, as virtudes espirituais, a nobreza de pensamento de intenções e de caráter, etc.. Que muda as emoções aflitivas para emoções nobres, dirige a força dos impulsos despersivos, lúbricos e violentos para o belo, as artes, a ciência, a filosofia, a filantropia; que sublima os impulsos violentos e animalescos e egoístas, dirigindo sua força ao trabalho pela humanidade, pelos seres, pelo próximo. É facil ver isso na história de grandes alquimistas, Paracelso, Valentin Andrae, Isaac Newton, Francis Bacon, Jacob Boheme, etc.. Embora não muitos tenham ido tão longe quanto os humildes anônimos que distribuiram a cura e seus ensinos no passado sem deixar rastro, nem nome, nem instituições. Muitos destes morreram sem nenhum reconhecimento, muitos até bem pobres, pois como se vê o ouro que fabricavam se tratava de outra coisa, bem diferentes do financeiramente valioso metal. Houveram muitos, sem dúvida, que se dedicaram a essas práticas materiais, eu diria que a grande maioria, até ignorantemente, mas graças a eles também temos o desenvolvimento da química e da física, e da ciência como um todo, na verdade. Mas essa, apesar de muito praticada, era apenas uma pequena parte da alquimia que despertou interesse maior nesses.

A alquimia ocidental visa a transmutação do ser humano como um todo e ponto final. E transmutação contém os outros processos, de transformação, de purificação, de santificação, de restauração, de renascimento, de regeneração... Transmutação é tradicionalmente divida em quatro fases (mas isso seria outra longa descrição de processos para se chegar a uma definição), mas pode também ser dividida em oito, ou mesmo em nove processos, e, se se subdividir o primeiro e o último, temos onze. Disto temos outros estudos específicos.

Por fim temos o termo menos claro e preciso de todos, transfiguração é a mudança da figura, mudança da aparência. Tradicionalmente ou não algumas ordens costumam ou equivaler esse processo à transmutação plena, completa, finalizada, ou, um ou outro autor, parece por vezes estar indicando alguma outra coisa ou algo superior à transmutacão. Transfiguração ainda sugere dois tipos de resultado, um poder adquirido neste mundo, sobre a forma, ou de manifestar visivelmente a forma (ou pelo menos a aparência, origial, ou uma delas) e a transfiguração final, após a morte do corpo corruptível (uns ainda dizem se tratar da forma ressurreta, mas temos sérias razões para duvidar dessa hipótese).

Lembramos aqui da transfiguração de Yeshua no encontro com Moisés e Elias. Portanto não é simplesmente uma mudança de aparência, é mostrar a real aparência completa já antes da completa transmutação. Esse é o nível de transmutação que já pode ser mostrada aqui, e nesse mundo. Porém como essa é muita rara e não é geralmente objeto da busca da maioria dos grupos, também é pouco conhecida e pouco falada ou ainda guardada em segredo. Por outro lado esta primeira também é confundida por outros com a transmutação completa e até com a reintegração. Sim, ao final dos processos também se alcança obviamente a transfiguração final, mas com a transmutação completa, seja por qual dos meios se tenha enfatizado.

O rosto de Moisés brilhava quando descia da montanha, isto já é uma transfiguração em parte; Jesus é descrito muitas vezes em aspecto diferente, algumas emitindo muita luz; e os anjos são vistos várias vezes emitindo luz muito forte. Em outras culturas o mesmo pode ser encontrado em seus relatos, Krishna é descrito como sendo verde ou azul e luminoso; Buda quando inciava um discurso mais importante emitia uma luz de sua testa na qual se podia ver vários mundos e seres; os devas (anjos no oriente hindu) quando vinham ao seu encontro emitiam fortes luzes; diz-se também que ao final de sua vida Christian Rosenkeutz era visto com um corpo translúcido e luminoso, outros dizem diáfano e se apagando, desaparecendo desse mundo. Estes, excetuando o corpo ressurrecto de Jesus, que já era o corpo final imortal, após a ressurreição, são exemplos de transfiguração que pode ocorrer ainda nesse mundo. Poderiamos ainda falar sobre propriedades, possibilidades e poderes de mentes e corpos e seu potencial, mas para não irmos muito longe da ciência ou da tradição isto basta.

Enfin, santificação é simplesmente separar aqui agora, não é algo distante, é algo para ser provado já, aqui, praticado de momento a momento. Por um lado somos separados por Deus, por outro temos uma atitude nossa, um modo de separar-se do mundano e por fim reintegrar a ordem orginal. A santificação completa é ser santo como Deus é santo, o que envolve vários processos como os acima citados que culminam na completa santificação final. Por que coloquei todos esses processos aqui, na parte que fala de santidade e não em outra, como na anterior, no despertar que é um fundamento anterior? Porque santificação, purificação e restauração são conceitos muito próximos e cabe diferenciar dos outros e defini-los. E por que revelei certos processos tidos como segredos, sagrados, mistérios, aqui? (Porque não existe segredo disso, é só saber procurar) Porque devemos esconder pérolas de modo que só os sábios e verdadeiros buscadores achem, só os que tem coração puro e se interessam em santidade. Até os maus podem e muitos querem ser despertos, mas eles não podem nem se interessam em ser santos, não vão se dar ao trabalho de ler um texto tão grande sobre o que eles despresam...