quarta-feira, 22 de maio de 2019

ESCOLAS, ORDENS, RELIGIÕES E TRADIÇÕES RELIGIÕES - Parte 2 - RELIGIÃO - uma prática


O que é religião na prática


Na definição da palavra religião anteriormente focamos mais na provável origem da palavra e como a partir dessas prováveis origens o seu significado evoluiu para o que temos hoje. Mas deixamos de focar na origem em si, a palavra religio. Temos aqui um terceiro aspecto e talvez o mais importante, pois se refere ao que, na prática, é religião.

A palavra religião existe em português desde o século XIII e não há duvida de que ela seja derivada do latim religio, que significa culto, respeito, reverência, hoje no sentido de respeito pelo sagrado, pelo divino, ou culto a divindade ou lei divina, ou respeito a preceitos sagrados. Na prática religião é um culto. Então a prática religiosa é reverenciar, cultuar, respeitar, adorar, a algo tido como sagrado, sublime, transcendente, isto através de um relacionamento com este algo, através de cerimônias, respeito a lei divina ou divina revelação, preceitos sagrados, santidade, moral, ritos e ou rituais, meditações, exercícios, enfim, práticas e comportamentos coerentes com este fim, de ligação a algo sagrado e transcendente. 

É bom frisar que só agora depois que já definimos o que é religião é que podemos falar isso, afinal não é simplesmente qualquer culto ou qualquer adoração, qualquer reverência qualquer entidade ou respeito a quaisquer leis ou preceitos, etc., que caracterizam uma religião, mas somente estas que se dirigem a, e objetivam unir-se a, algo transcendente, normalmente visto também como eterno, completo, perfeito, sublime... Religião na prática é um culto, e um culto a algo que transcende a finitude, as limitações humanas, o conhecimento e até entendimento humano natural. Também não podemos fugir disso. É tanto cultuar, prestar culto, homenagear, adorar, reverenciar, venerar como também é cultivar algo para. 

O objetivo da prática é que vai definir se ela é ou não religiosa, não o tipo de prática em si. Podemos chamar de religião o culto a pessoas como é feito em alguns países onde lideres de estado, estejam vivos ou mortos, são cultuados, adorados e cantados em praça pública? Podemos chamar de religião todo rito, cerimônia, prática, ideologia que se dirija para ou seja uma crença num estado ou num mundo ou num tipo de ser humano perfeito num futuro? Podemos chamar de religião toda obediência ou observância de toda e qualquer lei ou preceito? É claro que, embora estes tenham características comuns às práticas religiosas, para todos esses casos a resposta é não. Então o que define uma prática como religiosa é que ela se fundamente e se dirija para o que já foi mostrado anteriormente na parte sobre definição de religião.

A visão do sentido da palavra religião, quanto à sua origem mais primitiva, relegere, reler, rever, revisitar, retomar, pode ser visto como ato de reler e reinterpretar incessantemente tanto o mundo ou a realidade quanto os textos de doutrina religiosa. Mas também se aplica a retomada de uma dimensão espiritual, ou melhor, mais concretamente ainda de um retorno a uma condição original. Reler, assim estar retornando a uma visão pura ou menos obstruída cada vez mais próximo da visão verdadeira até o reencontro dessa verdade esquecida. Mas depois, na antiguidade tardia essa palavra foi mais usada em ligação ao sentido de religare, religar, atar, apertar, reunir, ligar bem. Neste sentido fica ainda mais nítida a ideia de retorno à origem, à fonte, ao estado de potência e ciência anterior ao mundo como conhecemos. O verbo religare no passado já foi empregado com o sentido mais comum, de prender os cabelos, enfeixar lenha, etc.. Só com a associação à palavra religião é que o termo ganha essa conotação. O sentido do que é religião na vida prática arrastou consigo não só a palavra lhe dando um novo significado, mas também lhe atribuindo uma outra origem mesmo que supostamente. 

Portanto a chave para entendermos e discernirmos depois de tudo o campo de estudo a que devemos delimitar se prende a duas coisas bem mais importantes do que aparência e origem etimológica: (1) o objetivo a que se quer chegar com esse conjunto de doutrinas, comportamentos, leis, preceitos, etc. e (2) a receita prática para se atingir esse fim, a prática, o comportamento, as crenças, os conhecimentos, etc.. 

Na prática o que é religião tem a ver com o objetivo. Por exemplo, uma mesma prática pode ser considerada religiosa ou não a depender do objetivo a que almeje. Temos recitações na literatura, em alguns ritos legais, na arte poética, mas uma recitação só é considerada ligada à religião se ela se dirigir ou for relacionada a algo transcendente. Do mesmo modo temos o ato de reverenciar, rituais, meditações, exercícios, leis, preceitos, etc. que, só poderão ser relacionados à religião se seu objetivo é transcendental, nem sequer algumas práticas místicas podem ser consideradas como fenômeno da religião (no sentido da palavra místico, que é de levar a pessoa a experiências incomuns ou sobrenaturais); algumas práticas místicas são derivadas ou servem a propósitos religiosos, mas outras claramente não servem.

Por outro lado temos práticas que só podem ser classificadas como fenômeno da religião, que é o que acontece, o que se faça, se pratique, todo comportamento que tenha um fim na religião (lembrando que agora estamos usando o termo em seu aspecto preciso específico, não o coloquial, comum). Por exemplo a oração à divindade, as crenças religiosas, as doutrinas e filosofias da religião em sua vivência pessoal, como observância de preceitos ou leis religiosas (excluindo-se aqui as leis morais que podem ser comuns a um povo, não necessariamente vindas da religião, mas até às vezes vindas dela e adotadas pela população, sejam adeptos ou não da religião em questão). Assim estamos clarificando o nosso campo de estudo quanto ao que seja e o que caracteriza a religião. 

Mas obviamente existem práticas destas e até religiões por inteiro em seu corpo e sua doutrina que, embora se dirijam para um objeto ou objetivo transcendental, estejam completamente erradas quanto a este objeto e meios de atingir esse objetivo. Portanto em nossa investigação, se é que ela chega mesmo ao pretende, e ela chega, temos todo o direito de classificar algumas religiões como falsas ou verdadeiras, e outras nem completamente falsas nem completamente verdadeiras (embora nos revelamos o direito de revelar nossas descobertas entre nós em muitos casos que não são nocivos, mas em outros que são engano nocivo, más fés, charlatanismos, etc. nos sentimos justamente na obrigação de avisar a todos sobre isso, denunciar e até mesmo combater, por isso mesmo a grande maioria de nós preferirá fazer isso no anonimato, evitado assim as perseguições e retaliações a pessoa e famílias).

O que deve ser nosso campo de estudo


Até aqui então vemos que o que define algo como religião tem a ver com o objetivo e a prática que visa o objetivo. Mas para chegarmos na questão das ordens, tradições e escolas precisamos levar em consideração outros fatores, como já foi ressaltado anteriormente. Um dos mais importantes (antes de chegarmos ao que realmente interessa, o transcendente) é o aspecto histórico que vai envolver alguns fatores primordiais: a origem; a evolução; os fundamentos; as fontes originais ou tardias preservadas (livro ou registro sagrado, tradição, transmissão oral, etc.); e as adições, modificações, supressões, omissões, restaurações, reinterpretações, inovações e traduções. Portanto isto nos levará ao estudo também das instituições, isto é, religiões, seitas, ordens, grupos, escolas, tradições e não tradições, etc.. Estes dois grupos de objetos de estudo tem que ficar muito claros em tudo ao pesquisador e é o que faz a principal diferença entre o pesquisador estudioso e o que simplesmente busca para si alguma religião: além do critério de sua observação e a profundidade da mesma em todos os detalhes possíveis, ele sabe ou procura saber, porque deve saber o que em dada religião é, por exemplo, original, o que é adição, o que é inovação e a partir de quando foi introduzida, o que é fundamento, o que é interpretação proposta por alguma seita ou outro tipo de divisão, etc..

Então veremos por um lado temos como objeto de estudo estruturas que se formam ao longo do tempo, na história, como conjunto de práticas e conhecimentos orientados a um transcendente, que estamos aqui considerando como o objeto e objetivo que define a religião e provisoriamente caracterizando-o como sobrenatural ou preternatural, melhor dizendo, origem e ou destino final e ou sublime ao qual devemos chegar. E por outro lado este mesmo objeto e objetivo (transcendente, preternatural e ou metafísico, origem e ou fim e ou destino final e ou sublime ao qual devemos chegar ou retornar) também como objeto de estudo, o que nos distingue muito e claramente por um lado das pessoas que simplesmente adotam as religiões e por outros dos cientistas que se propõem a estudá-las, enfim, distingue o que fazemos e o que estudamos da religião mesma e da ciência da religião, pois investigamos mais além, as propostas da religião, sua veracidade, verificabilidade, eficácia, etc.. 



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