segunda-feira, 13 de maio de 2019

ESCOLAS, ORDENS, RELIGIÕES E TRADIÇÕES - Parte 1 - Religião, uma definição



Evolução etimológica e semântica da palavra religião


Muitos dizem que existem muitas religiões, será isso verdade? O que se observa está muito longe de ser a verdade nesse caso, pois poderíamos perguntar: (1) existem muitas religiões ou subdivisões e derivações de uma só? (2) existem muitas religiões ou muitas falsificações, muitas seitas, muitos enganos? Explico.

O que podemos notar por uma observação mais sincera e acurada é que existem diferentes pontos de vista sobre o que uma religião é, qual seu objetivo e caminho e qual sua meta final. O apressado se contenta facilmente com o que o senso comum lhe informará, "existem muitas religiões e muitas divisões destas mesmas", falsamente e quase que em unanimidade todos dirão. Isto é um engano muito comum. Eu mesmo pensei assim antes por muito tempos e seria impossível ver de outra maneira até que eu pudesse definir melhor o que é uma religião e separasse melhor esse conceito do de religiosidade, ritualismo, tradição, entre outros. 

Nem toda tradição é religião, disso todos sabem. O que existem são diferentes escolas. Escolas de pensamento, ou filosóficas, escolas de crenças ou como dizem, de fé, do mesmo modo que existem escolas e divisões científicas, psicológicas, teosóficas, teúrgicas, etc..

Uma escola se caracteriza por uma doutrina, uma filosofia, uma metodologia. E uma religião pelo que se caracteriza? Se não usarmos criteriosamente a palavra religião em seu real sentido ela pode ser qualquer coisa. Temos que saber também não só o significado, mas também a origem da palavra, e não só etimológica como também histórica. A origem etimológica trata da sua forma mais antiga, e também da evolução do termo em diferentes estados anteriores da língua em que é falada e pelas quais passou. A origem histórica tem a ver com isso também, mas vai além, até a razão pela qual surgiu, às vezes até ao seu autor, e como ela chegou a cada etapa de sua evolução etimológica.

A palavra religião vem da palavra religio, em latim, que significa respeito, reverência, hoje no sentido de respeito pelo sagrado, pelo divino, ou culto a divindade ou lei divina, respeito a preceitos sagrados. Mas nem sempre foi assim. A história dessa palavra tem algo anos dizer. Em sua origem no latim não se referia a algo transcendente, mas se referia à reverência que o cidadão romano deveria ter pelas instituições do Império.

O problema, porém, ainda pode ir mais longe. É que historicamente esse substantivo teria vindo de um verbo. Uns querem dizer que vem do verbo religare, religar, reatar. Outros querem ainda dizer que vem de relegere, reler. Se isso for verdade, a primeira opção não faz sentido, a palavra como era usada em sua origem pelo cidadão romano, seria religar-se ao império, ao exército, ao imperador. Se for verdade a segunda opção, além de também não fazer sentido (pois seria reler o império), qualquer coisa outra poderia ser tida como religião, desde ciência, filosofia, psicologia, até sociologia, arte, ideologia, etc.; estas podem ser todas religiões e serão pois são essencialmente visões, leituras, cada uma tem uma ou trás várias novas formas de ler, de ver, o mundo, a realidade, o futuro; cada uma forma várias escolas de interpretação, metodologia, modo de ver e de viver. 

O que isso mostra é que a evolução como ocorre na língua, nas tradições, nas ciências, etc., também ocorre na nossa compreensão (mas lembrando que evolução não significa melhoramento, mas simplesmente transformação, mudanças ao longo de um período, esta pode ser também uma degeneração, no caso da compreensão esta pode tanto degenerar, quanto clarificar, se perder ou se transformar em outra diferente). E neste caso a evolução da palavra casou com uma evolução do conceito que se tornou mais abrangente, mas não por isso mais exato, pelo contrário, se tornou mais obscuro. Hoje muitas coisas podem ser chamados de religião e o conceito se tornou tão abrangente que crenças, mesmo não sendo metafísicas, que assumiram um papel verdadeiramente de religiosidade em termos ideológicos, recebem o mesmo voto de confiança e devoção que antes só as religiões recebiam. Tal culto pode se dirigir a pessoas, ideias (ideologia, doutrina, sistema, teoria, etc.) e até mesmo a movimentos culturais.

Sendo nós rigorosos não poderíamos tomar tal "definição" moderna como uma boa medida para o que pretendemos estudar, pelo contrário vamos recorrer às definições que são adotadas e ou preservadas pelas tradições que se assumiram como religião (ainda que algumas não o sejam no sentido da palavra e contraditoriamente adotem um sentido semelhante). É claro que com isso não chegamos a um consenso, mas delimitamos bem melhor a nossa margem do que cabe nesse conceito. Para chegar a tal definição não precisamos nos ater a uma média dos conceitos das tradições, mas sim à uma observação de como a palavra tem sido usada e definida por essas chamadas religiões e tidas como tradicionais.

Logo que fazemos isso nos deparamos também com outros obstáculos. Por exemplo, alguns vão propor que o termo religião no sentido atual só existe no ocidente e por força do catolicismo que se propôs como sendo a única religião e a inauguradora da palavra no sentido de religar. Este religar evidentemente seria ao Deus único e verdadeiro como é descrito por essa religião e isso evidentemente excluirá todas as outras religiões, inclusive cristãs. Mas isso cai por terra ao examinarmos o uso da palavra por outras que também se dizem religiões verdadeiras, ainda que algumas destas ainda dissessem a mesma coisa, que são a única e verdadeira religião.

O que estamos fazendo não se trata de ciência da religião ou filosofia da religião, se quase se propões um ar alienígena, como se pudesse olhar de fora para dentro, como se esta visão mesmo não tivesse se construído no seio da cultura à qual incorporava e era moldada pela religião. Então temos que tomar um decisão lúcida, sóbria, não recorrer a análises evasivas e negações de completa adequação semântica, etimológica, nem por outro lado simplesmente adotar arbitrariamente um significado e determinar a nossa como uma definição. Essas necessidades não existem, o que existe é a necessidade de uma definição que delimite bem o campo de nosso estudo evitando a confusão.

Então segundo a evolução semântica e etimológica da palavra temos um sentido mais amplo que encampa o anterior mas exclui algumas aplicabilidades anteriores. Assim temos religião, deixando de se referir à reverência às instituições do império e passando a se referir estritamente à reverência ao transcendente e ou sobrenatural e ou metafísico, aplicado à quase totalidade do que se chama religião hoje, politeístas, panteístas, monoteístas, gnósticas, ateísticas, iluminacionistas, etc.. Então esse conceito assume o significado de revisão por um lado e de religação por outro, restringindo ainda mais o campo do que pode ser chamado religião, onde alguns exemplares de todos esses campos citados são excluídos (depois veremos exemplos de porque isto acontece).

Origens da palavra religião através da história 


Apesar palavra religião ser usada universalmente pelos ocidentais, ela não possui uma equivalente em muitas línguas e tradições do oriente, portanto, é uma visão ocidental aplicada ao oriente, quando lançada sobre as chamadas religiões orientais e mesmo africanas, e não necessariamente uma visão que eles tenham de suas próprias tradições, crenças, doutrinas, etc.. 

Religião foi um termo usado no contexto cultural europeu da época em que a cristandade se apropriou do termo latino religio, que era dirigida não para Deus ou deuses ou algo transcendente, mas às instituições imperiais. No hinduísmo antigo, por exemplo, se utilizava a palavra "rita" que se refere a uma ordem cósmica do mundo, ordem esta com a qual todos os seres deveriam estar harmonizados, mas a palavra também se referia à correta execução dos ritos pelos brâmanes; bem mais tarde, o termo foi substituído por dharma, que é traduzido neste sentido como lei, uma lei divina e eterna, ou ensinamento, a depender do uso; esse mesmo termo atualmente é também usado pelo budismo para se referir à lei ensinada pelo Buda, ou o ensinamento dele como um todo.

Foram propostas algumas etimologias ao longo história para a origem de religio. Dessas, algumas são mais aceitas ou conhecidas. 

Cícero, em 45 a.C., disse que o termo se refere a relegere, reler, se referindo às pessoas que sempre reliam as escrituras e se empenhavam em tudo o que se relacionasse com deuses. 

Bem depois Lactâncio, que viveu entre os séculos III e IV d.C., rejeitou o argumento de Cícero, dizia que o termo vem de religare, religar os seres humanos a Deus, argumentando que a religião seria um laço de piedade que serve para estabelecer essa religação . 

Um pouco depois Agostinho de Hipona, no século IV d.C., disse que religio derivaria de religere, "reeleger", no sentido de que através da religião a humanidade reelege a Deus, do qual havia se separado. Mas mais tarde Agostinho retoma a interpretação de Lactâncio, que religio viria de "religar".

Depois disso ainda surgiram outras hipóteses, como a de Macróbio, no século V d.C., que afirmava que religio derivaria de relinquere, deixar para trás. Além dessa também muitas outras interpretações populares foram acreditadas como a verdadeira origem da palavra ou mesmo hipóteses que remontam as partes da palavra atribuindo diferentes junções de termos supostamente originais.

Entretanto a evolução do conceito da palavra nos leva hoje a apontar novamente para as primeiras origens a que foi atribuída na antiga europa cristã, porém nem tão restrito como fizeram alguns, se referindo apenas ao cristianismo ou ao monoteísmo, nem tão abrangente como se faz coloquialmente na pós-modernidade, se referindo a todo tipo de doutrina metafísica, seita, crença, tradição primitiva, etc.. Isto porque não podemos perder o alvo da palavra que é uma forma de reler a realidade, mas não apenas isso, é uma forma de reler a realidade com um fim de, isto é, para e por este meio, da religião, se religar a uma origem transcendental ou se ligar a um estado transcendental.

Esta releitura é a face da religião que se dirige para o mundo, o mundo comum, que aparentemente compartilhamos e parte de um mundo invisível, que quase nunca compartilhamos. E esta religação é a face da religião que se dirige para o transcendente, para o que não está nem é perceptivelmente presente aqui agora. Isto, em suma, é o que define hoje o que é religião e exclui o que não pode ser tomado como tal.

Mas ainda existem muitos outros critérios, que não são o objetivo de nossa exposição aqui. Enfim, religião pode não se referir mais a um sistema, seja de crenças ou de práticas ou ambas ligadas a alguma coisa transcendente, mas é algo que sempre está ligado a este algo que transcende a nossa percepção e exige uma visão diferente, que é apresentada seja por práticas, doutrinas ou crenças (diferentes ou semelhantes em cada uma das religiões). Assim religião não é o que aponta ou discute ou estuda o transcendente (isto fazemos nós cientistas), mas o que propõe um caminho de ligação com algo transcendente. 

Resta ao pesquisador e ao que busca um caminho comprovar os fatos e fenômenos religiosos em sua eficácia (enquanto caminho que leva a um fim ou enquanto método), sua veracidade (enquanto doutrinas, sistemas, propostas ou crenças, etc. e definição do que é realmente este fim) e sua realidade (enquanto moral e comportamental, o observável comum e concreto e ou fenomênico). E então através disso poder verificar essa influência e seus resultados, desde esse nível observável normalmente, o nível moral e comportamental (pelas ações, palavras e transformações observáveis em cada pessoa e em s mesmo), até os seus objetivos finais (se leva seu adepto aonde propõe levá-lo (e por esse último critério é que nossa ordem pode excluir várias das ditas religiões de seu campo de estudo como religião: por já terem se comprovado pela ordem como ineficazes ou mesmo falsas, pois não levam ao que propõem ou apontam fins falsos)).

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