segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

As cinco vias eficazes - parte 1

Quais são os cinco "caminhos" classificados como vias pela ordem? E por que fala de cinco categorias ou caminhos, não de sete, ou de nove?

Nós não chamamos de caminhos, primeiramente, nós chamamos de vias, pois caminho só há um, embora se possa ir por vias diferentes até certo ponto, ou ainda, podem haver algumas vias que levam ao caminho. E por isso não falamos de sete nem de nove.

Para contarmos sete teríamos que considerar as outras duas rotas como vias, o que não são.

A rota circular (e todas todas as suas variantes) não leva a lugar algum, apenas a ciclos eternos de repetições enfadonhas e esquecimento, sofrimento e morte. É o que seria bem descrito alegoricamente como "inferno em vida".

A rota retrógrada (e todas as suas variações) vai na direção oposta, para baixo, degeneração, caminho mortal, destruição. Alegoricamente é a "estrada para o inferno", é a auto-destruição no pior sentido, aquela dos sofrimentos inimagináveis e "aniquilação" depois de um prazer mundano, comum e fugaz.

Ou então, no lugar disso, para termos sete vias, teríamos que considerar outras duas provisórias, obsoletas, ineficazes, o animismo e o dualismo. Estes claramente não são formas de conhecer nem conhecimentos reais, mas já interpretações de uma suposta realidade admitida.

E para ter nove vias teríamos que considerar essas quatro, circular, retrógrada, animista e dualista como se fossem vias válidas. Até os dois caminhos da perdição (retrógrado e circular) seriam considerados também vias válidas! O circular, chamado por uns arrogantes de evolução, e o descendente, chamado por outros maliciosos de libertação, caminho da luz, etc., incrivelmente ainda são vistos por muitos como  caminhos válidos. E ainda se arrogam possuir "O" caminho superior. Mas a função destes aqui agora é justamente desviar as pessoas do conhecimento da verdade, com desde ilusões confortáveis e agradáveis, até sofrimentos e lutas supostamente meritórios e redentores, mas que resultam em fracasso e perda de tempo irreparável se levadas a cabo.

O animismo e o dualismo são duas rotas primitivas que foram apenas temporais, preparatórias, úteis num período ou apenas em alguns lugares, diante de determinada situação na qual o ser humano não tinha a mínima capacidade de aceitar estar vivendo uma falsa idéia de um eu. Ele se agarraria institintivamente ao falso eu, lançando-se ao destino desse junto com ele, a mutação e dissolução. Então no início de sua caminhada essas idéias ainda não eram retiradas, mas aproveitadas até certo ponto onde a iniciação real os separaria da ilusão. Mas como ainda acontece hoje muitos desistem no início e saem propagando o que vivenciaram nesse início como se fossem realidades e verdades secretas, e outros, na ignorância, os seguem.

Lançar um eu nas coisas e fenômenos (como ocorre no animismo) e personalizá-los foi a primeira forma de ver a perecibilidade do falso eu e vislumbrar a existência arquetípica para além do mundo perecível. Foi o que levou a considerar as forças e leis permanentes que atuavam por trás e além do mundo empírico. Era a forma de separar-se do eu idealizado, mutável e perecível em realudade, e tentar unir-se ao eterno, que intuia e vislumbrava nas forças e leis por trás das coisas e fenômenos, enfim por trás da existência.

Mas observe que aqui o alvo é cego, não se tem qualquer clareza do que é o transcendente e menos ainda do modo como alcançá-lo. Temos nesse modo apenas uma medicina paliativa,  que impede o avanço da doença, ou seja, impede de lançar-se num abismo, junto ao falso eu e à matéria agarrado-os com todas as forças. Mas que não leva à cura, não mostra nem leva a uma visão real do trancendente, apenas, no máximo, a experiências do tipo mentais. Não chega portanto a ser uma forma de espiritualidade, mas já foi um avanço, para aqueles sem percepção, na forma de conhecer, perceber as leis, supor arquétipos, entender que existem forças imaterial e imutáveis, etc..

Vários problemas porém surgem junto, sendo o pior deles a atribuição mítica de personas, de superioridade, de consciência, de deidade, etc. a objetos, forças e fenômenos que de fato não possuem nada disso. Aqui surgem também toda espécie de culto dissociativo como o culto a entidades, personalidades, como os supostos espíritos ou mortos, os ídolos, os extraterrestres, as estátuas, os totens, os anjos, os demônios, as forças, os inquices, os orixás, os devas, os deuses, os bodhisatvas, os gurus, os budas, os santos, as dakines, etc.. Seja o que for, realmente existente ou ilusão pode ser assim cultuado, idolatrado, etc.. O que chega até a transliteração errônea de todos os símbolos, arquétipos e personalizações como seres em si, dotados de alguma consciência e ou mentalide e personalidade. E ocorre assim o surgimento do panteísmo,  politeísmo, deísmo, etc., junto com toda classe de engano e superstição associada a tudo isso.

Assim, esta pode ter sido a forma primitiva de "espiritualidade" ou conscientização, despertar da consciência para algo além dos fenômenos e da matéria, pelo método de separação ou abandono do eu (no caso o falso centro permanente, a falsa persona, o falso eu, o agregado impermanente perceptível, corpo material e mente reflexo). Os métodos mais primitivos de separar-se do "eu" até o mais sofisticados, têm origem nisso.

Na outra forma radical de conhecimento primitivo teremos também o outro método, o de transformação e sublimação do eu. Através de uma percepção rudimentar de dualidade, percepção de que tudo que se pode observar parece dual, de que tudo parece conter essas duas naturezas observadas anteriormente e logo então generalizar. O ser humano passa a querer cultivar uma face, a que supõe eterna, e abandonar a outra, a perecível. É o dualismo, fase em que surge o método da cultura do eu.

A partir da percepção real das polaridades surge também a projeção de bem e mal classificados com base correta em alguns casos, mas indevidamente generalizada para tudo no universo. É nessa generalização apressada e fora de um critério de realidade que a valoração moral também começa a ser lançada sobres as coisas e fenômenos.

Isto foi novamente necessário para que o ser humano deslocasse de si mesmo a valoração ética-moral e vislumbrasse um significado e propósito nos fenômenos que transcendem sua consciência limitada, pois que deduz que antes de seu aparecimento já havia o cosmo, portanto também, suas leis, princípios, forças e arquétipos, assim provavelmente também arquétipos morais. É o primeiro vislumbre fora do solipsismo moral, antropocêntrico (e é incrível que a maioria hoje tem retornado a ele de forma alternativa: crendo que a valoração moral só existe dentro de nós, que nós a criamos e pior, que seria ela "criada pela sociedade").

Este passo, esta percepção objetiva de bem e mal é tão importante na história da humanidade (embora confundido historicamente com o animismo e com a projeção de valores) que junto com o anterior vai fazer parte da base de quase todos os sistemas filosóficos e religiosos seguintes. É claro que aqui figura bem mais positivamente a percepção de mal do que do bem, pois muito dela se firma em sensações, razões, intuições não abstratas, mas objetivas.

Porém muitas pessoas hoje mesmo sequer atingiram esse amadurecimento e apenas possuem uma noção abstrata dessa percepção de mal. Muitos ainda hoje não conseguem compreender isso sequer pela pura lógica simples (pois se há um princípio e um propósito, tudo que fuja a esses dois está naturalamente valorado negativamente, e tudo que corrobora com estes está valorado positivamente). Esta percepção, faltante em grande número de pessoas, pode ser desmotivada desde a infância passando por todo o processo de educação, que ultimamente tem conduzido gerações a uma relativização de todos os valores,  mais que exacerbada (por isso até em comparação moral o ser humano está em processo degenerativo de inteligência e percepção).

Este, portanto, não é o problema desse proto-sistema de conhecimento (lembrando que tratamos aqui, não de qualquer conhecimento, mas do conhecimento da verdade, em si, transcendente, há que se chegar à verdade, não apenas apontar para ela, isso as fiolosofias e até a mera especulação racional do senso comum também poderia fazer). O problema surgiu na generalização e atribuição mítica, além do observado e do evidente, de uma valoração moral arbitrária negativa ou positiva para toda e cada ação, coisa, fenômeno, etc..

Isto foi um processo gradativo, que apenas ao chegar a religiões e escolas não pode ser mais ignorado e contaminou em maior ou menor grau todos os sistemas. Gerou padrões determinados por sábios, "mestres", filósofos, "deuses", etc., e consequentemente afastou toda a possibilidade de investigação da verdade, tudo já estava determinado, e finalmente o padrão foi universalizado, o que arruinou completamente o sistema. 

Aqui existem obviamente deduções imprecisas e atribuições de valor erradas, além das intencionalmente colocadas, maldosa e arbitrariamente, para atingir algum fim oculto, egocêntrico ou justificar algum mal já feito. Também a pseudo-moral que implica trocas, envolvendo esses valores, ou oferendas, ou supostos atos de justiça coletivos, etc. em uma suposta economia da natureza ou dos deuses ou da humanidade. É certamente um dos resultados desastrosos os dessa visão.

O problema aqui é óbvio, novamente o alvo é cego, ou seja, não vê o transcendente, não há conhecimento (a não ser pequeníssimo e parcial) do "verdadeiro eu", nem do transcendente, enfim, na prática está apenas cultivando um lado da personalidade, agora classificado como bom, e buscando eliminar um outro lado, da mesma forma arbitrariamente classificado como mal. Há alguns acertos nessa classificação, mas também muitos erros. Só que existem de fato valores bons e maus na personalidade ou no eu, tanto da parte inata como da construída, mas isso não é a questão aqui, embora exista relação com a capacidade de visão e compreensão, o que termina levando a uma falsa observação ou conclusão de que apenas seguindo certos presceitos ou padrões se está realizando uma auto-transformação e ou uma auto-iluminação.

Perceba também que arbitrariamente, sem nenhuma prova o lado tido como bom foi considerado eterno, só porque o perecível foi visto como mal. Não tem nenhuma lógica essa dedução. Ainda está para perceber que o lado tido como bom também é mutável e perecível.

Na verdade até o avanço moral aqui foi depois ainda suplantado pela visão que surgiu posteriormente, que é terrivelmente danosa e equivocada, de que bem e mau são opostos eternos, naturezas eternas, e que seus "caminhos" são ambos válidos conduzindo ambos a fins eternos, ambos de forma justa e equilibrada. Ou seja, é a extrapolação da valoração arbirtrária onde nem o transcendente escapa da polarização (aliás, por que ainda consideram transcendente?), é a idéia de que, como existe a dualidade nesta natureza, existe em tudo, inclusive dois deuses eternos (ou um deus bom e mau ao mesmo tempo, obrigado por sua própria natureza a fazer tanto o bem quanto o mal), deuses que embora antagônicos, trabalham em colaboração e harmonia para atingirem seus supostos fins eternos.

Isto é apenas um exemplo de uma das consequências dessa via. O bem e o mal são vistos como universais e necessários. O dualismo certamente conduz a erros um tanto mais graves na prática do que os erros filosóficos. Vão desde erros práticos até institucionais, e estes últimos vão desde o maniqueísmo até o satanismo explícito, podemos considerar como fixações institucionalizadas neste tipo de visão dualista.

Estas duas vias que são chamadas por uns de xamanismo e zoroastrismo (ou maniqueísmo, colocando o zoroastrismo como uma forma sofisticada de xamanismo ao lado do judaísmo e superior ao totemismo em geral, que pode ser uma classificação muito imprecisa), nós as chamamos de animismo e dualismo porque são muito mais abrangentes que essas duas instituições, tendo várias escolas e religiões como variantes da mesma fórmula básica, muitas também em combinação com o animismo, que passou a não apenas personalizar as forças e elementos da natureza como atribuir dois lados a cada um deles.

Elas não são ineficazes por serem primitivas, pelo contrário, suas versões mais aprimoradas e mais modernas são as mais nocivas (neo-paganismo explícito ou disfarçado, neo-zoroastrismo, neo-gnosticismo, maniqueísmo moderno, xamanismo contemporâneo, luciferianismo, satanismo, santerias diversas, só para citar poucos exemplos), por tantos motivos que não caberia aqui. Mas, em síntese, todos conduzem pela via oposta ao caminho da verdade, liberdade e cura (retorno ao estado e local originais). E ainda, dos padrões rígidos e arbitrários, mas dos sábios, passou modernamente ao relativismo moral de qualquer um segundo o que melhor lhe pareça ou segundo alguma autoridade acadêmica. Ou seja, já passou de degeneração para a completa dissolução, realmente deixou de existir, são outras coisas quaisquer, apenas apresentadas falsamente sob títulos de tradições. Essas vias foram temporárias, cumpriram sua função no passado, são do passado, uma preparação da humanidade "pré-civilizada" para as posteriores, que podiam ter sido abandonadas com o fim dos grupos nômade, mas foram apenas transformadas. 

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