domingo, 24 de março de 2013

Religião como um modo científico de conhecer

 
Somos também uma religião, não uma doutrina religiosa, mas um tipo de religião, a gnosis, ou como dizem mais recentemente, “gnosticismo”. Somos gnósticos, ou como se diz no oriente panditas. Isto se resume a ter confiança, baseados na razão e na experiência, de que o conhecimento direto liberta. Mas não é só isso. Em síntese é a “fé na salvação através do conhecimento”, mas não é um tipo comum de conhecimento. Gnosis significa literalmente conhecimento ou sabedoria, ou ciência. Mas que conhecimento? Saber o que? Que tipo de sabedoria? Ter ciência de que?

É beber na fonte. É beber da fonte e comungar com ela. É o conhecimento da fonte. O conhecimento supremo. E a união suprema. E ao longo do caminho o conhecimento direto. É ver para crer, melhor dizendo, para realmente saber. Assim, não é uma religião definida, mas um modo de religião. Todas as religiões que se enquadram nesse modo de ser podem ser chamadas de gnósticas e todas elas são possibilidades de atingir o mesmo objetivo. Falando mais precisamente, quase todas as religiões são gnóticas na sua origem e com o passar do tempo se tornam doutrinárias e até mesmo, como sabemos, axiomáticas, dogmáticas e suprsticiosas.

O gnóstico pode ser ateísta ou teísta, deísta ou agnóstico, pode seguir uma ou várias religiões ao mesmo tempo, pode não ter religião alguma ou criar a sua própria religião para si mesmo... são muitas possibilidades mesmo além dessas. Mas todos os gnósticos são céticos empíricos, no sentido de que eles experam pera experiencia direta, por si mesmo. Ou pelo menos eles, embora aceitem explicações lógicas e racionais, suspendem seu julgamento até que através da experiencia, da vivência, da compreensão direta por meio do insight, tenham a confirmação daquilo. Isto é de suma importância pois mesmo quando temos certeza podemos cometer deslises, erros, enganos; podemos estar praticando errado ou interpretando errado alguma coisa. Isso não quer dizer que ao entrar em nossa fraternidade ou em nossos estudos você abraça uma religião ou como dizem, se converta a uma nova religião ou a mais uma religião (mas isso pode acontecer, a liberdade é sua).

Você não tem que deixar sua religião nem tem que ter uma como ja foi explicado. Nosso trabalho não tem a ver com isso. Pelo contrário, é como uma gradução universitária, ninguem tem que deixar a religião para fazer um curso de graduação, assim é nosso curso, uma graduação, num tipo de conhecimento e num modo de conhecer. Para onde você centraliza ou dirige esse conhecimento depois também não é uma conversão, é como uma especialização ou mestrado e assim por diante. Assim como quase todas as religiões na atualidade são uma mistura ou tem elementos de várias outras (e é exatamente isso que você tem que reconhecer para entender ninguém hoje tem uma religião só, na prática) essa religião ou tipo de religião ou modo de conhecer tem elementos de vários outros sistemas, mas todos, em nosso caso, com esse objetivo, do conhecimento e união suprema, e com esse modo de conhecer, direto, por si mesmo, pela própria experiência. Isto é o que significa gnóstico para nós (e não um conjunto determinado de doutrinas ou preceitos).

Então tanto no nível teórico quanto no nível prático essa postura é requerida, pois se entendemos um procedimento e embora o pratiquemos a muito tempo ele não dê resultado é por esse procedimento não é adequado, ou por estarmos praticando errado ou interpretando errado os resultados. Ainda pode ocorrer que vários outros tipos de confusão. Por isso é que o gnosticismo, embra seja muito individual, sempre ocorre em escola ou enklesia, ou seja comunidade, onde a experiência do mais adiantado é muito importante para corrigir e adiantar o iniciante, ajudando pelo menos a evitar o que já se sabe dar errado. Por isso se fala de iniciante e iniciado. Sempre somos iniciantes em um grau cada vez mais acima onde, para o iniciante no grau abaixo do nosso, somos iniciados. Mas só podem, quer dizer, só deveriam ensinar, aqueles que se prepararam para isso, por vária razões que deveriam ser óbvias para as pessoas que com isso se envolvem. O que ensina tem que praticar e estudar muito mais, para saber, por exemplo, não só do seu próprio caminho, mas também outros ou entender de uma perspectiva multidimensional os tipos de compreensão humana e seu condicionamentos.

Diferente de tudo que se chama religião esta tem certas características estanhas, ela é pessoal, individual e não exige exclusividade nem dedicação exclusiva, você pode ter a religião que quiser além dela, ou muitas outras ou criar a sua ou as suas, ou estudar todas se puder, participar de tudo que sinta necessidade de participar, mesmo que seja contraditório. O ser humano é contraditório. Negar essa característica seria nos tornar máquinas lógicas, abaixo até do humano. Não é natural negar esse direito a si mesmo. E para quem quer ir além do humano seria um contra-senso proibições desse tipo.

E o que é gnose? Por que usar esse nome numa religião ou num modo de ser religioso novo? Essa não é uma religião nova, a gnose é muito antiga, mas sistematizada em nossa história apenas há cerca de 2700 anos. A gnose tem essas características desde o princípio: de ser uma religião pessoal, um trabalho e escolhas individuais, a busca da experiência própria nunca a verdade via revelação ou sacerdote. Acontece que por vivermos num país chamado cristão, num ocidente judaico-cristão e estamos ofuscados por um conhecimento tendencioso de que a gnose é movimento cristão ou mesmo de que o verdadeiro cristianismo seria o gnosticismo. Há tendências que ligam o “gnosticismo” até aos essênios. Na verdade as pesquisas e achados recentes, para nós, parecem apontar para o que as tradições antigas já falavam: que a gnose é uma confluência de um tipo de procedimento de muitas origens diferentes.

Gnosis é um modo de conhecer no qual o conhecedor, o ato ou meio de conhecer e o conhecido se tornam a mesma e única coisa, a isto se chama de realidade. Como dizem os Upanishads: o conhecedor, o conhecer e o conhecido são a mesma coisa; ou ainda, conhecido, conhecimento e conhecedor são na verdade uma mesma e única inseparável realidade. Gnose é um movimento histórico natural e “estranho”, chamado de mágico por alguns, que aconteceu em nosso planeta e sempre volta a acontecer e se renovar ao longo dos anos incorporando às vezes novos úteis elementos, às vezes eliminando outros que já não mais seja adequados. Mas não é um utilitarismo embora seja muito pragmático, assim alguns elementos podem ser preservados por tradição, por respeito ou gratidão aos antigos pesquisadores, afinal o caminho é construído com o superesforço de muitos.

Para nós a gnose em processo de sistematização e tomada de consciência surge naquele tempo e se manifesta de várias maneiras, através de seres conhecedores, que de certo modo estavam preparados para um desenvolvimento muito superior a tudo que havia como religião ou esoterismo até então. Ela é a primeira ciência no sentido da palavra, Tales, Pitágoras, Aristótelis, só como exemplo de alguns, estavam entre os primeiro gnósticos no ocidente. Tal status superior tanto ético como de procedimentos e modos de conhecer, se analisarmos friamente, jamais foi superado mesmo nos dias atuais.

Aliás, hoje a religião degenerou muito, e somos talvez os mais imaturos enquanto religião, na história. Lembremos que hoje muita gente crê: num Deus onisciente e onipotente que criou um inferno para condenar aqueles que não o bajularem com adoração e obediência; que devido ao “pecado” (que seria hereditário inclusive) ser já impagável com qualquer sacrifício (pois se podia aplacar a ira desse Deus sacrifícios sanguinolentos antes) que se pudesse fazer, ele envia seu próprio filho para nós sacrificarmos, e através desse “pacto” sanguinolento nos libertar da fúria punitiva do mesmo Deus. É um pouco absurdo, ainda mais quando o referido deus, sendo onisciente já sabia que tudo isso iria acontecer e sendo onipotente poderia simplesmente nos esclarecer e enos impedir ou nos perdoar, mas prefere condenar, mesmo sendo ele “todo misericordioso”... É difícil acreditar que exista um ser assim, ainda mais que seja o deus supremo, mas esse é o dogma central do chamado cristianismo de hoje. O mais estranho é que esse dogma foi criado como interpretação oficial de escrituras por um grupo que antes matou os autores de tais escrituras, ou seja, desconhecendo completamente seus símbolos e o que de fato significariam.

Nem mesmo na ciência houve tal salto a um nível tão elevado; basta lembrar que a maioria dos cientistas hoje ainda crê que os fenômenos são algo observáveis e existentes por si mesmos, fora do observador, ainda que hoje já se considere que o observador e a observação alteram o observado (e para sermos francos poucos entendem como isso acontece). A ciência considera ingenuamente os fenômenos e a matéria como reais em si mesma e independentes da consciência, embora alguns filósofos, mesmo da idade média, já tenham demonstrado que isso é uma impossibilidade, um contra senso, que não tem lógica nenhuma e que essas deduções se baseiam apenas no hábito. Enfim, mesmo a ciência contemporânea admite pressupostos, axiomas, o que para nós são crenças, tradições, cultura, condicionamentos e está muito longe da suposta neutralidade do observador. O cientista hoje dispensou o estudo da epistemologia das ciências em grande parte. Então ele realiza o experimento já pressupondo, baseado apenas no senso comum, um tipo de realidade, ele não estuda nem o que se define como realidade primeiro. E isso, para nós, é ser religioso, no sentido de confiar antes de realmente saber pelo menos. No modo gnóstico ele teria que experimentar o que é “realmente", ou seja, de fato irrefutável, real ou não, ou se tudo a que se propões não passa de idéias, sensação e sensibilidade. Mas aí a formação científica ficaria muito demorada e a ciência tardaria muito em trazer seus benefícios. Então cada um com seu papel. Só não admitimos que a ciência nesse modo, agora antigo, antiquado, venha nos dizer e definir o que é real e o que é realidade, coisa que não está a seu alcance por seus métodos, e que já foi discutido à exaustão pela filosofia, demonstrando essa impossibilidade.

Isto só é logicamente permitido aos outros setores do conhecimento, a saber, a filosofia, o esoterismo, a arte e a religião. Sendo superior nesse campo a filosofia porque a ela cabe definir, e também o que chamamos esoterismo porque a ele cabe a experiência direta, una com o objeto, enquanto que a religião só em seu aspecto filosófico e esotérico poderiam fazer isso. Mas esta tem preferido o revelado (e ainda não de modo direto mas por uma literatura que não é clara em sua maioria) e/ou dogmático ainda nesse início de era que se caracterisa pelos novos paradígmas em todas as áreas e pela queda progressiva dos deuses escravistas.

A arte, ainda atrasada em seu despertar paradigmático não pode senão determinar com base na estética, por isso ainda repousa em seu sono deixando ativas apenas as psicologias, sociologias, antropologias e todas as ditas ciências humanas , que são na verdade não exatamente ciências, mas artes, já que têm embora não admitam, base na estética. A histiografia e a historiologia, por outro lado, embora não deixe de ser uma arte, tende a se emancipar como uma ciência superior por justamente abandonar o velho paradigma estético, que se pode grosseiramente resumir como contar fatos relacionadios ao nobre, ao belo, ao poder, às transformações, à defesa dos poderosos, etc. para um olhar mais frio e uniforme que passa por cima dos fatos visualizando mais indiscriminadamente todas as nuances. O que reflete uma influência indireta desse modo gnóstico, já que além de ser mais democrática, contemplando às vezes várias visões, não escolhe com base no movimento, na beleza, na mudança ou outro padrãoda ou moda literária da época, mas decreve olhado o observado, detectando aquilo que não se move, que está estagnagado, atrasado, abandonado ou parado no tempo, detectando também por vezes o ausente e o não visto, levando a uma visão mais humana e compassiva e que admite a consciência como principal agente e construtora da realidade.

É dito que o conhecimento gnóstico, como o de muitas religiões e diciplinas orientais, é do tipo oculto ou esotérico ou o que chamamos de arte ou ciência hermética no ocidente, não que seja místico ou mítico, mas por sua natureza ser fechada, isolada: nenhum pode demonstrar ao outro senão que pode tentar descrever e pode apenas mostrar os métodos que levarão à mesma experiência ainda considerado as diferenças entre os seres humanos. Mas só cada um, por si mesmo, poderá demonstrar para si mesmo, provar por si mesmo. Isto se deve à natureza da experiência, o que não é incomum. Podemos ter exemplo de várias coisas assim no dia a dia. Por exemplo, por mais que nos descrevam o sabor de um alimento, poderemos ter apenas uma vaga idéia, por comparação, mas só saberemos o que é o sabor experimentando. Mais difícil ainda quando se trata de experiências que não são comuns para a maioria, como as experiências da meditação de uma pessoa que medita diariamente por anos são muito difíceis mesmo de serem descritas para um não meditador e pior ainda de serem explicadas. Ao contrário de outras experiências das quais podemos ser informados sem necessitar experienciar de fato em nós, existem experiências que só poderemos, mesmo conhecer, passando por elas. Um símile muito claro e muito usado é o de que explicar tais experiências, como as de meditação e outras que chamam de esotéricas, seria como tentar explicar cores a um cego ne nascença. Só passando por cirurgia e depois aprendendo a ver, o cego saberia o que são de fato as cores (sim aprender, o cego que nunca viu precisa apender, como uma criança aprende, nós apenas não lembramos disso).

Esse tipo de experiência é natural, não existe fenômeno sobrenatural, mas apenas que a natureza de certas experiências é sempre exclusiva do experimentador. Um círculo esotérico é apenas aquele formado de pessoas que foram simplesmente treinadas em certos métodos, ou pelo exercício desenvolveu de modo muito aguçado, como fazem os atletas, certas capacidades ou habilidades. Cada grupo, como cada religião de tipo gnóstico, como cada escola de ocultismo, budismo, yoga, hermetismo, esoterismo, alta magia, ou seja qual for o sistema ou como se classifique, é como um grupo de atletas, ou peritos, ou cientistas, que treina os procedimentos e adiquire os conhecimentos necessários para alcançar seus objetivos.

E é esse o critério que o buscador deveria por no topo da sua análise de escolha: qual o objetivo último da escola ou religião ou grupo? E em segundo lugar quais os métodos para atingir de fato e comprovadamente tais objetivos? E então analisar: o objetivo é alcançado e acessivel? Quantos o tem alcançado? Quais os frutos do sistema em seus praticantes? Infelizmente muitos buscadores hoje se auto enganam e buscam aquilo que gostam ou que se enquadre no seu limitado pensamento e curto conhecimento (até no sentido comum de conhecimento, muitas vezes) e optam por uma mentira confortável em vez da verdade.

Religião como um modo científico de conhecer é o que se pode chamar de gnóstica. Mas não é científica simplesmente no modo como se entende normalmente, é preciso explicar: no modo gnóstico há vários níveis de experiência, e o ápice da experiência é a união do “sujeito” experimentador com o “objeto” experimentado constituindo o terceiro elemento chamado “experiência”. Assim experimentador, experiência e experimentado se vêem como um só fenômeno. O ápice desse processo é a união suprema, aquela que abrange a totalidade, infinidade e eternidade da experiência...

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